Carlos Barbosa|Arquidiocese de Aracaju

Dom Vítor Agnaldo de Menezes, administrador apostólico da Arquidiocese de Aracaju e bispo diocesano e Propriá, e dom Genivaldo Garcia, bispo diocesano de Estância, acabam de publicar uma nota conjunta, em nome da Província Eclesiástica de Sergipe, sobre a declaração “Fiducia Supplicans”, publicada no dia 18 de dezembro pelo Dicastério para a Doutrina da Fé e aprovado pelo Papa Francisco.

Vaticano | Divulgação

O documento aprofunda o tema das bênçãos, distinguindo entre as bênçãos rituais e litúrgicas e as bênçãos espontâneas, que se assemelham mais a gestos de devoção popular.

Leia a nota, na íntegra:

NOTA CONJUNTA DOS BISPOS DA PROVÍNCIA ECLESIÁSTICA DE SERGIPE SOBRE A DECLARAÇÃO “FIDUCIA SUPPLICANS”

O Dicastério para a Doutrina da Fé publicou no dia 18 de dezembro de 2023 a Declaração “Fiducia Supplicans” (“a Confiança do Suplicante”), aprovada pelo Papa Francisco, onde busca aprofundar o tema das bênçãos, distinguindo entre as bênçãos rituais e litúrgicas e as bênçãos espontâneas, que se assemelham mais a gestos de devoção popular: é precisamente nessa segunda categoria que se contempla a possibilidade de acolher também aqueles que não vivem de acordo com as normas da doutrina moral cristã, mas pedem humildemente para serem abençoados com bênçãos espontâneas e informais (não sacramentais).

A Declaração, que não tem valor dogmático-doutrinal porque, além do fato de que não configura o tipo de documento magisterial dogmático, ela não pretende dar nenhuma doutrina nova sobre o assunto das bênçãos, mas, ampliando o pronunciamento anterior (Congregatio pro Doctrina Fidei, “Responsum”  ad “dubium”  de benedictione unionem personarum eiusdem sexus et Nota esplicativa, de 15 de março de 2021: AAS 113 (2021), 431-434), apenas considerar a possibilidade de abençoar pessoas em situações irregulares ou de pecado, considerando que, embora numa união que não pode ser comparada de forma alguma a um matrimônio (cf. n. 4-6), desejam confiar-se ao Senhor e à sua misericórdia, invocar a sua ajuda e ser guiado para uma maior compreensão do seu plano de amor e de verdade, declarando “inadmissíveis ritos e orações que possam criar confusão entre o que é constitutivo do matrimônio” e “o que o contradiz”. Reitera-se que, de acordo com a “doutrina católica perene”, somente as relações sexuais dentro do casamento entre um homem e uma mulher são consideradas válidas e lícitas (cf. n. 4). Portanto, não é possível, para essas pessoas, bênçãos que sejam sacramentais ou rituais.

Assim, o Documento não aprovou objetivamente a bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo ou de situações irregulares, mas das pessoas que, embora vivam numa situação de pecado ou irregular, em uma esfera de maior espontaneidade e liberdade  (cf. n. 23), buscam livremente um ministro para invocar a proteção e o auxílio de Deus para que consigam realizar a vontade de Deus conforme os Seus Mandamentos, vez que as bênçãos têm como destino pessoas, objetos de devoção, lugares de vida, etc., conforme atesta a Tradição e a Bíblia (Núm. 6, 24-26; Gn. 14,19; Gn. 24, 60; Gn. 27, 27; Gn. 47,10; Gn. 48, 20; Gn. 49, 28; Êx. 39, 43; Lv. 9, 22; Lc. 1, 64; Lc. 2, 34; Mt. 11, 25; Mc. 10, 16; Lc. 24, 50-51). Desta forma, concedida por Deus aos seres humanos e por eles concedida ao próximo, a bênção se transforma em inclusão, solidariedade e pacificação. É uma mensagem positiva de conforto, cuidado e encorajamento, expressando o abraço misericordioso de Deus a cada pessoa (pecador) e a maternidade da Igreja, convida os fiéis a terem os mesmos sentimentos de Deus para com os seus irmãos e irmãs.

Aprofundando esta distinção, com base na resposta do Papa Francisco às Dubia dos cardeais publicada em outubro, pedindo discernimento sobre a possibilidade de “formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não transmitam uma concepção errada do casamento” (cf. n. 26), o Documento afirma que esse tipo de bênção “é oferecido a todos, sem pedir nada, fazendo com que as pessoas sintam que continuam abençoadas apesar dos seus erros e que “o Pai celeste continua a querer o seu bem e a esperar que elas finalmente se abram ao bem” (cf. n. 27), abandonando o pecado, porque “Deus sempre os vê como seus filhos” (Francisco, Catequese sobre a oração: a bênção, de 2 de dezembro de 2020).

Em continuidade ao Concílio Vaticano II, o Papa Francisco compreende o ser humano não somente a partir do ato que realiza, mas também com suas intenções e nas circunstâncias na qual pratica determinado ato. Além disso, convida a confiar e estimular a abertura à graça que atua na consciência dos fiéis ajudando-os a viver da melhor forma que podem o Evangelho (Amoris Laetitia, 37). Nesse sentido, o magistério do Papa Francisco assume uma visão inclusiva dos diversos rostos que experimentam o dom de Deus (Evangelii Gaudium, 116), convidando a todos a percorrer a via da caridade (Amoris Laetitia, 306), pois na Igreja há lugar para todos e não pode se configurar a uma alfândega, onde se pretende controlar a graça (Evangelii Gaudium, 47).

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Assim, ante o pedido de bênção, não pode o ministro ordenado se recusar a abençoar essas pessoas, pois em si mesmas consideradas, são conforme a vontade de Deus, pois a existência sempre é um bem, devendo tal pedido ser acolhido e valorizado “fora de uma estrutura litúrgica” (cf. n. 23), mas sim, numa perspectiva da piedade popular como atos de devoção. Para conferi-la, portanto, não há necessidade de exigir perfeição moral prévia como pré-condição, considerando que as bênçãos se tornam um recurso pastoral a valorizar e não um risco ou um problema. Desta feita, realiza-se o fato de que “a bênção requer que aquilo que se bendiz seja conforme à vontade de Deus manifestada” (cf. n. 9). Por outro lado, não se pode abençoar tais pessoas enquanto praticam tais ações (relacionamento “marital” em si), contrárias à vontade de Deus, claramente manifestada na Tradição e na Bíblia (cf. Rm. 1, 18-32). O texto, inclusive, afirma que esse tipo de bênção nunca pode oferecer uma forma de legitimação moral a uma união que se presuma um Matrimônio ou a uma práxis sexual extramatrimonial.

Por esta razão, não se deve prever nem promover um ritual para a bênção dos casais em situação irregular. Esta bênção nunca deve ser transmitida em simultâneo com as cerimônias de uma união civil, e nem mesmo em conexão com elas. Nem pode ser realizada com roupas, gestos ou palavras próprias de um casamento (cf. n. 39). Ao mesmo tempo, não se deve impedir ou proibir a proximidade da Igreja às pessoas em todas as situações em que possam procurar a ajuda de Deus através de uma simples bênção, onde o ministro ordenado poderia pedir que os indivíduos tivessem paz, saúde, espírito de paciência, diálogo e assistência mútua – mas também a luz e a força de Deus para poderem cumprir plenamente a sua vontade, num contínuo processo de conversão. Com isso, não se pretende legitimar nada, mas antes abrir a vida a Deus, para pedir a sua ajuda para viver melhor, e também para invocar o Espírito Santo para que os valores do Evangelho sejam vividos com maior fidelidade.

Conforme declarou a Sociedade Brasileira de Teologia Moral, “entendemos a benção para casais em situação irregular, sejam aqueles em segunda união sejam casais formados por pessoas do mesmo sexo, como concreta e positiva resposta para a desejada sensibilidade pastoral. Mesmo que a benção não signifique o sacramento do matrimônio, que continua restrito à união entre um homem e uma mulher, seguindo as regras sacramentais, traz uma abertura proveniente da compreensão da primazia da graça e do amor incondicional de Deus por todos os seus filhos” (SBTM, 20 de dezembro de 2023).

Desta forma, a fim de evitar confusão e escândalo, esse tipo de bênção “pode encontrar seu lugar em outros contextos, como uma visita a um santuário, um encontro com um sacerdote, uma oração recitada em um grupo ou durante uma peregrinação” (cf. n. 40), tendo presente que “mesmo quando o relacionamento com Deus está obscurecido pelo pecado, sempre é possível pedir uma bênção, estendendo a mão a Ele” e desejá-la “pode ser o melhor possível em algumas situações” (cf. n. 43).

Por isso, exortamos que os Seminaristas desta Província, bem como o Clero em geral, evitem qualquer tipo de comentário que destoe das exatas orientações proferidas na referida Declaração, devidamente aprovada pelo Papa Francisco, e aqui por nós Bispos acolhidas, visto que deve prevalecer sempre e por toda a parte a Unidade da Igreja e a autoridade do Romano Pontífice. 

Aracaju-SE, aos 22 de dezembro de 2023

Dom Vítor Agnaldo de Menezes
Administrador Apostólico da Arquidiocese de Aracaju e Bispo Diocesano de Propriá

Dom José Genivaldo Garcia
Bispo Diocesano de Estância