Por mais que nenhum cidadão brasileiro possa ser extraditado, existem alternativas para o ex-jogador de futebol Robinho cumprir a pena a que foi condenado na Itália por violência sexual de grupo. É o que afirma Vladimir Aras, ex-secretário de Cooperação Jurídica Internacional da Procuradoria-Geral da República.

O ex-atleta foi condenado a nove anos de prisão — e a sentença já transitou em julgado. Segundo as investigações, Robinho fez uma mulher de 23 anos beber a ponto de deixá-la inconsciente. Então, ele e alguns amigos a estupraram em uma boate de Milão, onde a jovem albanesa tinha ido comemorar seu aniversário. Robinho sempre alegou sua inocência. Outros quatro homens, todos brasileiros, foram acusados de participação no crime, mas deixaram a Itália no decorrer das investigações e respondem a um processo à parte, atualmente parado.

O Ministério da Justiça italiano pediu na terça-feira (4/10) a extradição do ex-jogador. No entanto, o artigo 5º, LI, da Constituição Federal proíbe a extradição de brasileiro nato. Apenas brasileiro naturalizado pode ser extraditado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico de drogas.

Em uma série de publicações no Twitter, Vladimir Aras, que é procurador regional da República, disse que o governo italiano sabe que o pedido de extradição de Robinho será negado — pelo Ministério da Justiça ou, se o órgão o aceitar, pelo Supremo Tribunal Federal. Contudo, a negativa do Ministério da Justiça brasileiro abrirá outro caminho para a pasta homóloga da Itália, aponta Aras, que é professor de Processo Penal na Universidade Federal da Bahia.

De acordo com ele, a Itália pode escolher entre três possibilidades para tentar executar a pena de Robinho. A primeira é pedir ao Brasil que aceite a transferência da execução penal, para que ela tenha início imediato no país — pela Justiça Federal em São Paulo —, o que poderia ocorrer após a homologação da condenação pelo Superior Tribunal de Justiça.

A segunda opção é pedir a transferência do processo penal ao Brasil. No entanto, isso significaria, conforme Aras, ignorar a coisa julgada italiana e recomeçar do zero a persecução penal aqui, com denúncia do Ministério Público Federal em São Paulo contra o ex-jogador e aplicação da extraterritorialidade da lei penal. O artigo 7º do Código Penal estabelece que ficam sujeitos à lei nacional os crimes cometidos por brasileiro em solo estrangeiro, desde que o autor esteja no Brasil e a conduta também configure crime aqui, além de se enquadrar nos delitos pelos quais é autorizada a extradição de cidadão de outra nação.

Já o terceiro caminho é aceitar a negativa brasileira e não formular nenhum pedido alternativo. Nesse caso, a Itália simplesmente esperaria o eventual cumprimento do mandado de prisão expedido contra Robinho em algum país que não o Brasil, mediante a implementação da difusão vermelha (red notice) da Interpol.

Vladimir Aras aposta que a Itália escolherá a primeira alternativa, uma vez que a condenação por estupro já transitou em julgado e em processo não se anda para trás. Na visão do procurador, a melhor saída é combinar tal caminho com o terceiro. Ou seja, pedir a execução da pena no Brasil e, ao mesmo tempo, manter ativa a difusão vermelha.

“A questão fundamental para viabilizar a saída um (execução penal) é saber se a Itália pode prometer reciprocidade ao Brasil em caso similar, na via inversa. Entenda: caso o Brasil, no futuro, peça a Roma o cumprimento de uma sentença condenatória brasileira, a Itália pode concordar? Ultrapassado eventual óbice do Direito italiano, o pedido de execução da pena no Brasil poderia ser aqui homologado e admitido, como já se deu com condenações proferidas pela justiça de Portugal contra brasileiros natos, após 2017.”

“O instituto da transferência de execução da pena serve exatamente para a hipótese de brasileiros inextraditáveis. Para estrangeiros e brasileiros naturalizados (extraditáveis), a saída óbvia e usual é a concessão da extradição, visando ao cumprimento da pena no Estado do crime”, avalia Aras.

Em sua visão, a alternativa dois — recomeçar o processo do zero no Brasil — não faz sentido. Afinal, “a marcha processual é para a frente”. E o princípio do reconhecimento mútuo, “fortíssimo” na Europa desde a deliberação do Conselho de Tampere de 1999, recomenda a validação e a continuidade dos atos processuais.

Além disso, recomeçar o processo do zero, segundo o procurador, significaria revitimizar a mulher vítima de estupro, com a desnecessária reprodução de toda a instrução. Fora que haveria risco de prescrição ao final da ação penal. “Não é uma solução capaz de garantir a maior efetividade da proteção aos direitos humanos.”

“Enfim, tendo em vista que a condenação de Robinho por estupro foi proferida pela Justiça de um Estado democrático de Direito, pode ser reconhecida pelo Brasil, com base na Lei 13.445/2017; na prática do STJ nessa matéria desde a vigência dessa lei; e no princípio do reconhecimento mútuo”, diz Aras.