Propostas que dão autonomia ao Banco Central para executar a política monetária (determinar a quantidade de moeda em circulação, a oferta de crédito e as taxas de juros na economia brasileira para controlar a inflação) estão em discussão no Congresso Nacional desde a década de 1990 e nunca se chegou a um consenso para aprová-las.
Divergências a respeito da função do Bacen e do que a economia e o país podem ganhar ou perder com diretores tendo mandato fixo nunca foram apaziguadas entre os dois campos opostos. Para os favoráveis à garantia de mandato com prazo determinado para o presidente e os diretores do Banco Central, a autonomia impedirá trocas de dirigentes pela simples vontade presidencial ou por pressões político-partidárias e eleitorais. Também acreditam que dará segurança jurídica às decisões econômicas e evitará cenários como os de presidentes da República concorrendo à reeleição que não permitem ao BC elevar juros, causando instabilidade no mercado antes de renovar seu mandato, por exemplo.
Já os que são contra a tese defendem que o desalinhamento institucionalizado entre a diretoria do banco e o Executivo gera prejuízos ao país, já que o governo perde a capacidade de estimular o crescimento da economia em épocas de crises, como a que o mundo vive com a pandemia de covid-19, utilizando a política monetária em sintonia com a política fiscal (arrecadação de receitas e execução de despesas buscando crescimento com baixo desemprego, estabilidade de preços e distribuição de renda). Além disso, o Bacen poderia passar a se submeter aos interesses do mercado financeiro.
Tornar o Banco Central autônomo foi uma das promessas de campanha do então candidato a presidente da República, Jair Bolsonaro, em 2018.
O PLC 19/2020 dá autonomia, não independência ao BC: sendo autônomo, ele ainda tem algum grau de subordinação ao governo federal, sendo independente, pode implantar políticas monetárias sem discussão prévia com nenhuma esfera de poder.
Missão
O Banco Central é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Economia, cujo propósito fundamental é manter a inflação sob controle, próxima à meta estabelecida que varia ao longo dos anos. Para fazer com que as expectativas de inflação se aproximem dessa meta (4% para 2020), a instituição usa como instrumento a taxa de juros básica (Selic), elevando-a ou diminuindo-a de acordo com o cenário econômico.
— Uma inflação alta penaliza toda a sociedade e especialmente os mais pobres que não conseguem se proteger da perda do poder de compra. Assegurar níveis baixos de inflação, ou proteger o poder de compra da população, aliados à promoção de crescimento econômico, é o principal objetivo do Banco Central — explicou à Agência Senado o consultor legislativo Benjamin Tabak.
O Bacen também é o “banco dos bancos”, atua para manter o fluxo de recursos necessários ao bom funcionamento do Sistema Financeiro Nacional (SFN), para que as instituições cumpram suas obrigações e para que haja a quantidade ideal de moeda disponível e circulando, liquidez no mercado.
Algumas correntes econômicas defendem que o Bacen deveria ter “mandato legal duplo”, como já ocorre em outros países desenvolvidos como os Estados Unidos, com o Federal Reserve Board (Fed), o banco central americano, ou seja: que ao lado de conter a inflação (o mandato oficial, no caso brasileiro), esteja explícito que sua missão também seja a geração de emprego e renda, o que garantiria a atuação sintonizada de Banco Central e Tesouro Nacional. A versão do PLP 19/2019 que vai ao Plenário nos próximos dias menciona a preocupação com o emprego e a renda, e o presidente do Bacen, Roberto Campos Neto, veio ao Senado na quinta-feira (29) para referendar o texto elaborado pelos parlamentares.
Mandato
A presidência do Banco Central, hoje ocupada pelo economista Roberto Campos Neto, e os outros oito integrantes da diretoria colegiada são indicados pelo presidente da República e passam por sabatina e aprovação no Senado Federal. Mas o Executivo pode demiti-los quando quiser, sem precisar de justificativas. Esse é o principal ponto a ser alterado pelo PLP 19/2019 – Complementar. Ao estabelecer um mandato fixo para os diretores, o Bacen ganha autonomia em relação ao governo federal, apesar de ainda precisar se submeter ao Conselho Monetário Nacional (CMN). No entanto, a ideia está longe de ser consensual.
Na opinião do consultor legislativo Benjamin Tabak, que acompanha o andamento do PLP 19/2019 no Senado, hoje o Bacen já opera com bastante autonomia, mas essa atuação fica à mercê do governante da vez. Por isso, é importante assegurá-la em lei.
— O Banco Central já atua com autonomia de fato para realizar sua política monetária. O PLP 19/2019 garante a autonomia de direito. A autonomia de direito ajuda a reduzir as pressões políticas sobre as decisões do Banco Central. Os países desenvolvidos já têm bancos centrais com autonomia de direito. Essa autonomia é essencial para que o Bacen possa desenvolver suas atividades livres de potenciais pressões e aumenta a credibilidade da política monetária. Ainda que, atualmente, exista essa autonomia, nada garante que os próximos governos a manterão. Ao solidificar a autonomia em lei, fica mais difícil que governos futuros retrocedam nesse aspecto — opinou.
A autonomia, acrescentou Tabak, permite que a entidade possa atingir o objetivo de controlar a inflação e sinaliza de forma positiva ao mercado, aos investidores e à população que buscará atingi-lo de forma adequada, mesmo com eventual troca de governo com ideologias distintas.
Já para o economista Bruno Moretti, o Bacen não deveria atuar com autonomia em relação ao governo federal, principalmente num contexto de crise econômica, quando o governo precisa usar instrumentos monetários e fiscais combinados para estimular a retomada do crescimento e a geração de emprego e renda. Por isso, para ele, a proposta não deveria ser aprovada.
— Não concordo com a tese de que é preciso se livrar das influências políticas para que o Banco Central desempenhe adequadamente a sua função. Na verdade, esse conceito de autonomia do Banco Central é um conceito falso, ele não será um Banco Central autônomo, haverá um risco muito grande de captura da política monetária pelas pressões de mercado, e é isso que me preocupa e me faz ser contrário à autonomia, precisamente o risco que há de captura do Banco Central e da política monetária pelo mercado — disse em entrevista à Agência Senado.
Moretti explicou que o Bacen operando em harmonia com o Tesouro Nacional é fundamental para não ceder a pressões do mercado, e a autonomia em relação ao governo eleito, seja ele qual for, pode causar dificuldades de coordenação dos esforços de política econômica e fiscal para promover o crescimento econômico.
O economista acrescentou que não adianta comparar o Brasil com outros países desenvolvidos com bancos centrais autônomos (Japão e Estados Unidos, além da União Europeia), já que o momento em que isso foi feito por lá é totalmente distinto do que os brasileiros vivem agora, de crise.
— O momento atual é dos BCs passarem a usar instrumentos de política econômica não convencionais. Ou seja, as taxas de juros já estão muito baixas, você precisa atuar com outras políticas para estimular a retomada da economia, com o lado monetário. São as chamadas políticas de afrouxamento monetário. O momento do mundo é de integrar os BCs ao esforço de reconstrução da economia, não de fazer um BC autônomo e com mandato único — detalhou.
Rogério Carvalho
O líder do PT, senador Rogério Carvalho (SE), também se manifestou, via Twitter: “O PT é CONTRA este projeto! E ainda tem gente que quer colocar o nosso posicionamento em dúvida com suposições fantasiosas”.