Adelmo Pelágio de Andrade Filho*

Os trabalhadores da segurança pública sergipanos amanheceram com uma notícia histórica: a rubrica “periculosidade” está enfim reescriturada em seus contracheques. É a certidão da revivescência de um direito suprimido há quase uma década, e cujo ressurgimento só foi possível graças à conjunção de uma luta árdua e longa protagonizada pelo Movimento Polícia Unida, com a sensibilidade jurídica e social do governador Fábio Mitidieri.

O adicional de periculosidade é um direito constitucional inscrito na Constituição Federal e na Constituição Estadual, que, há alguns anos, havia sido incorretamente suprimido, juntamente com outros direitos constitucionais, em face de reestruturação de carreiras da segurança pública, que estabeleceu o sistema remuneratório de subsídio em lugar do sistema de vencimentos cumulados com vantagens pessoais.

Sinpol/SE

O governo pronunciava a convicção da incompatibilidade do monolítico subsídio com o adicional de periculosidade, bem como sua incorporação ao subsídio quando da reestruturação. No entanto, nós, as lideranças do Polícia Unida, com entendimento antagônico e argumentos robustos, decidimos levar o debate para toda a sociedade sergipana, por meio de variados meios de comunicação de massa, sobretudo rádio e redes sociais.

Defendíamos que o subsídio podia ser perfeitamente conjugado com o adicional de periculosidade, por conta da destinação constitucional de cada um. O subsídio existia para remunerar atribuições e responsabilidades de acordo, respectivamente, com sua complexidade e dimensão; por sua vez, o adicional de periculosidade, conforme evidenciado pelo próprio nome, remunerava o relevante e extraordinário perigo referente a cada carreira da segurança pública.

O discurso da incorporação do adicional ao subsídio quando da reestruturação desmanchava-se à simples e dupla constatação de que o subsídio era uma verba que, por sua própria natureza, era refratária a qualquer incorporação, bem como de que o adicional de periculosidade, por se tratar de verba constitucional, cogente e indisponível, jamais se deixaria absorver por qualquer outra verba. Tratava-se, pois, de um binômio constitucional indestrutível em suas individualidades jurídicas.

Outro ponto muito importante é que a periculosidade policial mostra-se peculiar comparativamente com a que incide sobre outras profissões, uma vez que o perigo policial não se manifesta apenas no exercício da função, mas também em razão da função. Um minerador a extrair potássio nos subterrâneos do Vale do Cotinguiba vivencia o risco de morte durante a execução de sua atividade, mas ao ascender de volta à superfície, vê restabelecida a normalidade de sua segurança. O mesmo não acontece com os policiais, os quais, nos momentos de folga, férias, licença e inatividade, experimentam risco ainda maior, uma vez que se encontram com menor grau de prevenção ao perigo.

O perigo policial em razão da função está inclusive positivado no inciso VII do parágrafo segundo, do artigo 121 do Código Penal, uma vez que se trata de qualificadora do delito de homicídio estabelecida com o propósito de apenar mais gravemente aqueles que atentarem contra a vida de operadores de segurança pública e seus familiares, “em razão dessa condição”, qual seja, a condição, verdadeiramente existencial e não apenas profissional, de policial.

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Além disso, o perigo policial é cumulativo, uma vez que a sequência dos anos só amplifica a coleção de riscos, os quais, muitas vezes, só se materializam na inatividade, estágio da vida do policial em que ele vivencia maior e contínua vulnerabilidade.

A verdade é que o policial, desde a subscrição do termo de posse, até seu último suspiro, convive com um perigo onipresente, crescente e indelével, e, por essa razão, a sociedade sergipana aderiu à causa dos trabalhadores da segurança pública, defendida pelo Movimento Polícia Unida durante quase dois anos.

Em franca concordância com a correção e justiça dos argumentos apresentados pelo Movimento, e em perfeita sintonia com o sentimento socialmente estabelecido, o então candidato ao governo do Estado, Fábio Mitidieri, no ano de 2022, registrou em protocolos de intenção seu propósito de regular e plasmar o adicional de periculosidade no ordenamento jurídico estadual e na composição remuneratória dos operadores de segurança pública sergipanos, o que, seguramente, foi interpretado pelo povo de Sergipe como um indicador de sua sensibilidade jurídica e social.

E assim foi feito. Com apenas quatro meses de governo, renunciando à já consuetudinária retórica política do nada fazer no primeiro ano em nome do ordenamento da casa, o governador Fábio Mitidieri remeteu à Assembleia Legislativa o projeto que fez renascer na segurança pública, com universalidade, o adicional de periculosidade, fazendo justiça a todos os servidores ativos e inativos da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar.

E aqui vai uma importantíssima reflexão. De fato, muito pouco importa o índice ou a base de cálculo que atualmente compõe a estrutura quantitativa do adicional de periculosidade. Durante a luta do Polícia Unida, dizíamos sempre que o adicional de periculosidade seria uma construção; que estávamos flexíveis quanto ao índice, quanto à forma de implementação e quanto ao momento da implementação, ou seja, a todos os seus aspectos quantitativos. Sempre objetivamos a revivescência do direito para sua reconstrução. E assim foi, é e será.

Nosso reconhecimento e gratidão ao governador Fábio Mitidieri pelo renascimento de nosso direito, bem como por sua inequívoca e segura vontade política de reconstruí-lo até o atingimento de sua justa dimensão.

Adelmo Pelágio de Andrade Filho
Delegado de Polícia
1o Vice-presidente da Adepol/SE