Rodorval Ramalho

A população sergipana conhece muito pouco, quase nada, da realidade da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Esse desinteresse cívico é lamentável, pois deixa de fiscalizar uma instituição pública estratégica e que, em 2019, recebeu R$ 700 milhões dos pagadores de impostos. Enquanto isso, a esquerda manda e desmanda.

O distanciamento dos cidadãos talvez seja provocado, entre outros, pelo peso da palavra FEDERAL no imaginário da população brasileira, que aprendeu, ao longo de muitas décadas, a mitificar tudo o que vem “lá de cima”, do nosso sistema federativo de meia-tigela. Outro motivo é que várias linhagens de esquerda tomaram conta das universidades federais e, através de suas máquinas de produzir narrativas falsas, vendem a ideia de que tudo está perfeito nesses “últimos currais” da esquerdopatia. 

Andrade / UFS

Porém, o Brasil está vivendo um momento diferente. Estamos, gradualmente, exigindo mais transparência e retorno dos investimentos e agentes públicos. As “caixas-pretas” estão sendo abertas. O trabalho é lento e desgastante, mas estamos avançando. 

Vejamos o caso das eleições para reitor da UFS. Nunca antes na história da instituição, observamos uma repercussão social tão ampla de um processo de escolha do seu maior dirigente. Uma das razões dessa publicidade é que, pela primeira vez, o grupo que está no poder há quase 30 anos, está sendo, de fato, questionado. Como é que o mesmo clube monopoliza o poder por todo esse tempo, num ambiente supostamente esclarecido e crítico como é a universidade? 

Tentarei explicar esse fenômeno, sem precedentes em outras universidades federais. Essa “ditadura perfeita” e a palavra “cabrunco” só existem por aqui. 

A UFS elege os seus reitores, como todas as outras federais, nos tais “Conselhos Superiores”. Esses Conselhos escolhem os nomes que comporão uma lista tríplice. A lei não obriga a realização de eleições. Todavia, existe uma longa tradição de realização dessas consultas. Aqui, surge a primeira peça do mecanismo continuísta, pois os Conselhos, em nome da “democracia”, só aceitavam o primeiro colocado dessas votações. Ora, mas como eles conseguiam montar uma lista tríplice com apenas um nome? Nossa longa tradição “empurrava dois laranjas”, com um voto, cada, para obrigar o Governo Federal a escolher o primeiro. Os tais “laranjas”, claro, juravam, publicamente e com a mão no peito, não assumirem, caso fossem escolhidos. 

Algum leitor pode perguntar: ““Conselhos Superiores” se submetendo a esse tipo de manobra?”. Pois é, agora vamos para a segunda peça do mecanismo continuísta: a operação de montagem desses Conselhos. Dos quase 80 conselheiros, em torno de 20% são submetidos ao reitor, pois receberam cargos na Administração; 15% vêm da representação estudantil, eleitos juntos com a diretoria do Diretório Central dos Estudantes; temos ainda 5% de representação dos técnicos; e o restante é a representação docente, também escolhida a partir dos Centros (Humanidades, Tecnologia, Saúde, etc.). Aparentemente, é tudo muito democrático, pois a maioria dos quase 80 conselheiros é eleita. Então, vamos para a terceira peça do tal mecanismo continuísta: o aparelhamento.

A quase totalidade dos professores, estudantes e técnicos da instituição não dão importância nenhuma às eleições para os Conselhos. Aqui, entram em ação duas máquinas predadoras da democracia: a sindical-estudantil e a máquina da reitoria. A primeira, aparelhada pelos partidos esquerda, elege seus candidatos a partir dos votos de uma minoria militante. Como não há exigência de quórum, qualquer meia dúzia de votos garante a eleição de qualquer candidato da militância esquerdista.  

A máquina da reitoria é bem mais sofisticada e, aqui, entra em cena a quarta e mais eficiente peça do mecanismo continuísta: a ultra-centralização de poder no Gabinete do Reitor, com a sua caneta “mágica”. A UFS é uma das poucas universidades federais onde todos os ordenadores de despesa estão submetidos, diretamente, ao reitor. Tudo é decidido na Reitoria. Desde o material de expediente até cargos comissionados, passando por indicações para comissões, apoios institucionais e cadeiras para as dependências universitárias. Atenção, não estou falando de desvio ou roubo de recursos, mas da capacidade de cooptação e, consequentemente, de retaliação em poder dos magníficos reitores a longo das últimas três décadas. 

Registre-se que alguns resistem e enfrentam o Mecanismo. Mas, são exceções raras e impotentes.

Atualmente, a coisa piorou, pois nem consulta à comunidade o magnífico reitor irá realizar. Está empurrando, goela abaixo, uma eleição remota, sem regra alguma, onde quem vai receber e contar os votos é seu assessor direto, na qual ninguém sabe quem serão os candidatos e, consequentemente, quais serão as suas propostas. Enfim, um festival de arbitrariedades e manobras.

As cartas estão marcadas. O pouco caso jurídico-político é tão grande que o resultado já poderia até ser publicado. Dessa vez, até a esquálida máquina sindical-estudantil foi humilhada. Todavia, com o mecanismo explicitado, fica desmoralizada a sua legitimidade e questionada a sua legalidade. Poderíamos dar por encerrada mais uma vitória da dinastia. Mas, há quem aposte que ainda estão rolando os dados.  


Rodorval Ramalho é sociólogo e professor da Universidade Federal de Sergipe.