O Tempo

Delegado da Polícia Civil, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) está em seu primeiro mandato. Ele tenta emplacar pela terceira vez no Legislativo a CPI da Lava Toga, para apurar supostas irregularidades de ministros do Supremo Tribunal Federal. Em entrevista a O TEMPO, ele diz que o presidente da Corte, Dias Toffoli, trabalha corpo a corpo com os políticos para garantir a impunidade. Membro de movimentos políticos que defendem independência partidária, o parlamentar defende mais transparência das siglas e também avalia que “não é uma boa ideia” o presidente Jair Bolsonaro indicar o filho para a embaixada dos EUA. 

TV Senado / reprodução

Foram apresentados no Congresso Nacional um projeto e um manifesto que preveem a reforma dos partidos políticos. Há um ponto que aumenta a transparência das siglas, outro que determina que a expulsão por voto contrário a orientação da bancada partidária vai depender da autorização da maioria dos membros da executiva da sigla. Vai ter espaço para que essa proposta seja aprovada na Casa?

Primeiro de tudo é uma necessidade. Pra gente ter uma democracia funcional, é preciso ter partidos transparentes e fortes. A gente não está brigando com os partidos e nem somos contrários a eles. Nós queremos que os partidos tenham uma democracia interna mais transparente, mais clara, e que o cidadão de fora dos partidos possa acompanhar a vida partidária. Ou seja, pra onde vai o recurso público imenso que é aplicado ali, como são tomadas as decisões, (para) garantir que esse recurso tenha destinação racional e equilibrada. É um projeto construído a partir do trabalho do movimento Transparência Partidária, capitaneada pelo Marcelo Issa, e que conta com o apoio de vários movimentos da sociedade civil que estão todos buscando a mesma coisa: uma democracia mais qualificada para o Brasil. 

A intenção é no futuro criar um partido com essas premissas, de independência? 

Na minha visão pessoal, a gente tem no Brasil partidos demais, e talvez você tenha partidos legítimos de menos. Apresentaram esse projeto pessoas de sete partidos diferentes, desde conservadores até de esquerda, e a gente percebe que alguns deles, como a Rede, o Cidadania e o Podemos, já têm uma preocupação nos estatutos de ter mais transparência e mais abertura para a sociedade e movimentos da sociedade. Isso é muito bom. Mas é preciso dar um passo adiante para exigir que alguns dos partidos que não estão fazendo essa transformação por vontade própria passem a fazer por força de lei. Principalmente nisso, democracia interna e a questão da transparência partidária. 

Então, não é criar um partido? 

Não, não. Nada impede que no futuro surja uma ideia de criação de partido. A gente tem tantos partidos no Brasil, não seria surpresa se alguém quiser criar mais um. O mais importante é criar condições para que essa vida partidária seja efetiva, real, e não apenas uma coisa formal no cartório, onde alguns poucos caciques tomam decisões e manipulam essa massa de recursos que recebem. 

O senhor começou agora a terceira tentativa de instalação da CPI da Lava Toga. Dessa vez, o objeto é o inquérito batizado de Fake News, aberto pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Essa CPI vai sair do papel? 

A minha responsabilidade como representante do Estado do Sergipe, como senador da República, é apresentar essa pauta e dar a viabilidade técnica para ela. Ou seja, conseguir 27 assinaturas e conseguir apresentar um fato juridicamente relevante e determinado. O fato que a gente está apresentando agora é absolutamente relevante e obviamente materializado. É o inquérito apelidado de inquérito “das Fake News”, mas que, na verdade, não apura fake news, que não tem alvo definido, que não tem alcance definido. É absolutamente irregular e ilegal e que se revestiu de um objetivo de garantir impunidade quase que plena aos ministros, aos seus parentes e aos seus coligados de qualquer natureza. Você teve dentro desse procedimento censura à imprensa, busca e apreensão na casa de indivíduos, você teve agora a suspensão de funcionários públicos, de auditores da Receita, você teve a paralisação de investigações e de fiscalizações da Receita que são absolutamente lógicas, racionais e partem de princípios consagrados internacionalmente de fiscalização de pessoas politicamente expostas. É da regra do jogo, não tem nada fora do normal sendo feito ali. Se tem alguma falha, algum vazamento, ele tem que ser punido, mas punido na esfera adequada, que não é seguramente o inquérito ilegal orquestrado pelo ministro Dias Toffoli. Se isso vai ter sequência lá na frente vai depender do tanto que a classe política, especialmente os senadores, vai compreender a demanda popular. Essa é uma pauta do Brasil. Essa é uma pauta recorrente. Qualquer brasileiro, mesmo o mais humilde, já percebeu que, no Supremo Tribunal Federal, por muitas vezes as decisões são tomadas não por interesse público e não por força da lei, mas por interesses pessoais ou por força de acordos espúrios.  

O senhor acredita que dessa vez vai conseguir o apoio dos colegas de Parlamento?

Nós já conseguimos hoje (tarde de quinta-feira), 20 assinaturas, faltam sete. A coleta de assinaturas foi feita numa fração de horas, e devemos concluir isso até o início da semana. A gente tem que lembrar que a CPI é um direito da minoria. Então, a CPI precisa apenas desses requisitos que eu descrevi: 27 assinaturas, fato determinado e juridicamente relevante, feitos esses requisitos é uma obrigação, é uma imposição e o próprio Supremo já decidiu isso várias vezes, da obrigatoriedade da instalação da CPI.  

O senhor não teme que as tentativas dessa CPI se confundam com uma espécie de perseguição a Dias Toffoli? Até por conta do pedido de impeachment contra ele… 

Eu não tenho nenhum tipo de vínculo pessoal, de amizade ou inimizade, com qualquer ministro. Eu não tenho nenhum processo na Justiça em nenhuma instância. Pelo contrário, não vejo como se identificar dessa forma. A gente percebe o ministro Dias Toffoli com uma atuação política literalmente partindo para um corpo a corpo com senadores, tentando garantir essa impunidade. Ele faz isso buscando confundir a instituição com seus integrantes. O Supremo é uma instituição essencial para a democracia. Um mau ministro não, um mau ministro é um prejuízo para a democracia. Então, se o ministro Dias Toffoli tem condições de explicar as várias situações que a gente pede para explicar, e aí você tem um caminhão de pedidos de impeachment, de denúncias que nunca são esclarecidas e, especificamente, esse ato que a gente aponta nesse requerimento é objetivo. A Procuradoria Geral da República já se manifestou formalmente em relação a esse inquérito, apontando que ele é ilegal, abusivo e deve ser arquivado. E os ministros simplesmente ignoram essa determinação, a Constituição, a legislação, e seguem numa escalada autoritária e com um objetivo claramente e fracamente político e pessoal. Isso tem que ser corrigido. Então, não tenho nenhum receio em relação a isso e a gente precisa de instituições fortes, mas passa por uma depuração.

O que prevê essa proposta que o movimento Muda Senado quer apresentar de reforma do Poder Judiciário?

O movimento Muda Senado surge de um grupo de senadores de 23, 24 senadores, que querem que a Casa tenha uma dinâmica mais próxima daquilo que o eleitor nas urnas exigiu. O eleitor fez uma renovação gigantesca no Senado. E a expectativa da população é que o Senado passe a se portar também de uma forma mais dinâmica, mais transparente, mais produtiva e sem nenhum tipo de escolha ou seletividade nas pautas que são de fiscalização. É bem focado o movimento Muda Senado no sentido de fazer votar aquilo que já foi discutido, deliberado e aprovado. Por exemplo, o fim do foro privilegiado que o Senado já aprovou, está na Mesa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e por várias vezes assumiu o compromisso de colocar isso em pauta e não coloca. A gente tem que colocar de forma clara que tem essa insatisfação aqui, que tem um grupo político organizado, que exige que isso seja feito, exige que você possa ter as atividades de fiscalização regularizadas. E nos últimos anos tivemos 40 pedidos de impeachment que sequer foram a público. Eles são recebidos pelo presidente do Senado, tanto faz quem é o presidente do Senado, e ele engaveta e arquiva sem que ninguém tenha conhecimento do assunto. A nossa expectativa é de que o presidente Davi Alcolumbre(DEM-AP) receba essas demandas do grupo, assimile isso e implante uma nova forma de trabalho aqui. O Brasil precisa muito de um Senado que tenha altivez e tenha o seu protagonismo.

Qual é a avaliação do senhor sobre a indicação do filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, à Embaixada dos Estados Unidos? 

O nome dele vai ser aprovado no Senado? A maior parte dos senadores aqui trabalha apenas e após a concretização das situações. Então, muitos não antecipam juízo de valor. O que eu posso dizer é que a gente vem fazendo a consulta técnica à Casa, a consultoria legislativa e jurídica do Senado, para que se traga informações concretas no sentido da legalidade dessa indicação. E, ao que parece, se confirma uma primeira impressão de que é um caso de nepotismo quando você está indicando uma pessoa que não é da carreira diplomática, um jovem de 35 anos recém-completados, e que não tem nenhum tipo de familiaridade ou serviço prestado nessa seara. É importante aguardar que a indicação seja concretizada; a partir daí, que o indicado seja sabatinado, de forma pública como foram sabatinados todos os outros indicados, e que se vá para votação. Mas, eu não acho que é uma boa ideia indicar um filho para qualquer cargo que seja, que dirá uma embaixada num importante parceiro comercial, sem que esse filho tenha qualidade técnica para isso. Existem projetos tramitando na Casa restringindo a indicação de ministros e de embaixadores a integrantes da carreira diplomática. Se você buscar uma sequência histórica você tem pouquíssimos casos de pessoas que não são da carreira diplomática que foram indicados, ainda assim casos muito pontuais de figuras que tinham um determinado relevo histórico, o que não é o caso do deputado Eduardo Bolsonaro, com todo o mérito que ele possa ter. Da mesma forma, você não encontra num comparativo mundial essa vinculação de um filho embaixador. É uma coisa de reis e sultões na Arábia, coisas muito pontuais. A gente vai avaliar isso com sobriedade e sempre pensando no interesse público.

Como o senhor avalia as falas do presidente Jair Bolsonaro nos últimos dias? Elas podem atrapalhar na relação entre Planalto e Congresso, até na tramitação da reforma da Previdência? 

Hoje, o Congresso Nacional já adquiriu um grau de autonomia e maturidade para não se deixar abalar com declarações e polêmicas do presidente da República. Ele tem esse perfil, ele gosta da polarização, se elegeu reiteradamente para a Câmara dos Deputados e agora para a Presidência da República apostando na polarização do “nós contra eles”, mas o Congresso já entendeu que essa não é uma boa política, essa não é uma boa ideia, e aí pautas importantes para o Estado e o Brasil, como Previdência, não vão ser contaminadas com nenhum tipo de declaração ou ação do presidente Bolsonaro. Essas pautas vão tramitar naturalmente, a gente já tem um cronograma firmado, e se houver necessidade de correção de texto e ajustes essas correções devem ser feitas, o Senado não deve se omitir e a pauta econômica não pode sobrepor a pauta social. Elas precisam caminhar junto. E a gente tem convicção de que existem ajustes a serem feitos, mas são ajustes mais periféricos, uma vez que o texto veio muito trabalho na Câmara.

O senhor é delegado. E, ao mesmo tempo em que defende a flexibilização de porte de armas, também já apresentou um relatório em que se mostra favorável a criminalização da LGTBfobia e também se colocou favorável ao uso medicinal da maconha, da cannabis. A gente vê que esses tipos de posicionamentos, muitas vezes hoje no Brasil, não conversa. Ou você é de um lado ou de outro. O senhor se considera de direita, esquerda ou centro?

Eu acho que equilíbrio define melhor, mas se for buscar uma palavra mais tradicional vai ser de centro. Mas não o centro que fica buscando oportunidades para fazer negócios ou acordos políticos. Mas, sim, o centro que ouve os dois lados da questão e busca um equilíbrio nas respostas. As demandas que a sociedade apresenta precisam ser ouvidas e trabalhadas para que se tenha respostas por parte do Congresso Nacional. E isso passa por uma diversidade de pautas que não são pautas minhas originárias. As minhas pautas originárias são mais focadas em segurança pública e no combate à corrupção. Eu sou especialista nessas áreas. Mas a gente percebeu uma demanda muito grande, por exemplo, o projeto do uso medicinal da cannabis. Ele foi recusado por seis relatores possivelmente por conta da repercussão que ele tem. Eu acho isso errado, você tem que tratar do assunto. Você pode, inclusive, dar parecer contrário se for o caso. A gente defende que você possa dar acesso ao cidadão comum o remédio produzido com base nessa planta, mas eu sou contrário, por exemplo, ao uso recreativo. Objetividade, uma forma diferente, focada em trabalhar propostas legislativas baseadas em evidências. Essa é uma forma de atuação. É diferente da média comum da política sim, é um desafio muito grande de vocês da imprensa para comunicar isso, mas acho que é o único jeito correto para você fazer num país democrático. É você respeitar as outras pessoas apesar das diversidades de opiniões e conseguir integrá-las naquilo que elas têm em comum. E tem muita gente boa no Congresso Nacional que quer fazer as coisas certas. Talvez falte um pouco de coordenação ou de estratégia, mas, sem dúvida, existe uma demanda para fazer as coisas fluírem como a sociedade precisa e a gente vai fazer isso.

O senhor está no seu primeiro mandato. E, pelo que o senhor viu até agora, dá para fazer a diferença no Legislativo ou, às vezes, o senhor sente “impotente” em determinadas pautas? Como, por exemplo, o engavetamento por duas vezes da CPI da Lava Toga…

Eu nunca fui militante político e sequer filiado a partido. Mas quando eu decidi cumprir essa missão dentro da política porque eu achei que era necessário ocupar espaço, eu busquei preparo e qualificação para isso. Então, eu participei do projeto do Renova, com a direção acadêmica de um mineiro, o Gabriel Azevedo, e o conjunto de assuntos que a gente tratou e a rede de contatos que foi construída ajudou muito para você ter uma noção exata do que ia acontecer aqui. Então, eu não tenho nenhum tipo de decepção ou surpresa maior aqui com a atuação. Os desafios são mais ou menos aquilo que eu já estimava. O que talvez seja um dado novo é você perceber que tem muita gente boa que quer também fazer essa renovação acontecer. E que o desafio passa muito mais a ser de coordenação, de estratégia, do que um desafio de lutar contra adversários superpoderosos. Não é um desafio simples, mas não me surpreendeu. A gente está vendo que dá pra fazer a diferença.

Publicado em O Tempo