NE Notícias | The Intercept

NE Notícias reproduz a seguir trechos de matéria-denúncia do The Intercept sobre o Maratá:

O que talvez pouca gente saiba é que para a construção de parte desse império, centenas de homens, mulheres, crianças e idosos pagaram e ainda pagam, no Maranhão, um alto preço que não é revelado ao consumidor final. Pelo menos desde 2004, funcionários da empresa expulsaram com ameaças, destruição e incêndios camponeses que vivem e trabalham na zona rural do município de Timbiras, nordeste do estado, de terras disputadas pela empresa.

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Tiros, fogo e jagunços uniformizados

O ataque mais recente aconteceu em 13 de agosto de 2019, quando três homens com uniformes da Agromaratá, o braço agropecuário do grupo, atearam fogo em casas, estruturas e na produção dos camponeses, segundo relatos dos moradores. Eles afirmam que foram destruídas residências de taipa, duas casas de produção de farinha e sacas de farinha, milho, arroz e outros alimentos que as famílias tinham produzido nas comunidades Santa Maria e Jaqueira, a cerca de 13 km da sede de Timbiras. Além de mantimentos, as vítimas relatam que foram destruídas roupas, vasilhas, redes, ferramentas e outros itens pessoais dos camponeses. Era perto de meio dia, e a maioria das pessoas estava distante das casas, trabalhando na roça.

Naquele dia, os jagunços da Maratá, depois de provocarem terror na comunidade, deram 24 horas para que as famílias fossem embora dali, segundo Cleones Batista Gomes, 43 anos, morador de Santa Maria. As famílias se arranjaram como foi possível, levando o que havia sobrado do incêndio. Quem não tinha como sair contou com a sorte.

José Francisco Pereira da Silva, 49 anos, teve a casa queimada e seu cachorro de estimação assassinado com três tiros de espingarda pelos jagunços, conforme aponta relatório do caso feito pela CPT. Egino Santos de Brito, de 66 anos, segundo moradores, teve a residência destruída. Antes de sair da comunidade, um dos funcionários da Maratá teria se aproximado de Brito e da esposa, Raimunda Pereira Araújo de Brito, 51 anos, e reforçado a ameaça de expulsão, segundo as vítimas. Em seguida, relatam, ele teria dado um tiro de espingarda para cima. Brito, que tinha problemas cardíacos, mas até então estava bem, começou a passar mal no dia seguinte, abalado com o terror vivido. Foi levado ao hospital, onde ficou internado. Morreu de infarto dias depois, em 19 de agosto.

Menos de 24 horas depois, os moradores relatam que os jagunços voltaram para entupir dois poços d’água da comunidade, atear fogo nas casas que ainda não haviam destruído e derrubar com trator aquelas cujos pilares de madeira resistiam em pé. As cenas de terror se repetiram. Armados com espingardas, os funcionários da Maratá davam tiros para cima e no tronco de palmeiras, segundo as testemunhas. Atiraram na base de um forno de torrar farinha que o fogo não consumiu. Com o furo, inutilizaram o instrumento de trabalho dos camponeses.

Munições de espingarda deflagradas por jagunços da empresa ainda são encontradas nas comunidades quase dois anos após ataques. Foto: Sabrina Felipe/Intercept Brasil

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Segundo dados da CPT e depoimentos dos moradores, no saldo do terror causado pelos funcionários da Maratá em agosto de 2019, 36 casas foram queimadas e cerca de 450 pessoas perderam suas moradias e lavouras. Um cachorro foi assassinado; roupas, ferramentas e alimentos foram destruídos, e as famílias precisaram recorrer a parentes e amigos para morar e comer. Sobreviveram com doações de alimentos. 

Um idoso morreu e uma camponesa de 51 anos, Maria Oleti, teve AVC dias depois, impactada pela dor e violência de ver queimados centenas de quilos de coco babaçu que ela havia juntado, quebrado e extraído as amêndoas para vender. Como sequelas, Maria ficou com problemas de memória e o rosto parcialmente paralisado.

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Para o advogado Diogo Cabral, que representa os camponeses, o ataque da Maratá é “uma estratégia das mais violentas de que se tem notícia no Maranhão nos últimos 25 anos”.

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“Antes disso [do dia 13/08/19] eles já estavam aparecendo lá, ameaçando as pessoas, dando muito tiro, dizendo que era pra nós sair porque eles queriam a terra, que a gente tinha invadido a terra. É na luz do dia. A gente disse que procurou o Ministério Público, aí eles disseram ‘o Ministério Público fica lá, mas vocês aqui dentro vão sofrer as consequências’”. 

Os homens armados expulsaram 100 famílias e queimaram mais de 100 casas na Fazenda São Raimundo, em Timbiras, segundo um artigo publicado pela professora livre-docente Maria Aparecida de Moraes Silva, da Universidade Estadual Paulista, a Unesp, que narra o episódio de 2004. A expulsão, diz o artigo, foi ordenada por Ricardo Reis Vieira, um dos filhos do fundador da Maratá. O objetivo da expulsão era “deixar a área limpa” para a plantação de pastagem para o gado da empresa.

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Além das denúncias de violência agrária, a Maratá foi flagrada em 2005 empregando mão de obra escravizada na fazenda Sagrisa, na cidade maranhense de Codó. Na operação, 27 pessoas foram libertadas – incluindo quatro adolescentes e uma criança de 11 anos.

Fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego encontraram oito cadernos com anotações de dívidas dos funcionários, prática que configura servidão por dívida.


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