O Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol julgou nesta quinta, dia 18 de novembro, o recurso do Brusque por injúria racial cometida por um dirigente do clube contra o atleta Celsinho, do Londrina. Por maioria dos votos, os auditores devolveram os três pontos retirados em primeira instância e puniram o Brusque com a perda de um mando de campo, mantendo a multa de R$ 60 mil ao clube e a pena de 360 dias de suspensão mais a multa de R$ 30 mil ao dirigente Júlio Antônio Petermann.
Entenda o caso:
O meia Celsinho, do Londrina, foi alvo de injúria racial na Série B do Campeonato Brasileiro. Na súmula do jogo entre Brusque e Londrina, no dia 28 de agosto, pela 21ª rodada da Série B, o árbitro cita as palavras ouvidas pelo meia Celsinho, nos minutos finais do primeiro tempo: “vai cortar esse cabelo seu cachopa de abelha”. O infrator foi identificado como presidente do Conselho Deliberativo do clube.
No dia 10 de setembro, o Londrina ingressou com uma Notícia de Infração juntando o documento do jogo, o Boletim de Ocorrência registrado pelo atleta, um vídeo do segundo tempo da partida em que afirma ser possível ouvir alguém gritar “macaco” e matérias jornalísticas veiculadas sobre o caso. O clube citou ainda a nota oficial do Brusque após o episódio em que critica e tenta desqualificar Celsinho, além da nota posterior com pedido de desculpas do clube catarinense ao meia.
A Procuradoria enquadrou o Brusque e seu dirigente Júlio Antônio Petermann no artigo 243-G do CBJD, “praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. Por não fiscalizar o comportamento dos seus integrantes, o clube foi responsabilizado por violar o item três da Diretriz Técnica Operacional de Retorno das Competições da CBF e foi denunciado também por infração ao artigo 191, II, III do CBJD.
Julgados em primeira instância pela Quinta Comissão Disciplinar, o Brusque foi multado em R$ 60 mil e punido com a perda de três pontos na Série B e o dirigente Júlio suspenso por 360 dias e multado em R$ 30 mil, ambos no artigo 243-G.
Julgamento no Pleno:
Diante do Pleno, os atletas do Brusque, a Ponte Preta e o Vitória, além das Federações Paranaense, Catarinense e Bahiana ingressaram como terceiros interessados no processo.
Celsinho presente:
O atleta Celsinho acompanhou o julgamento desde o início e falou sobre o episódio.
“Não se trata de um torcedor, uma pessoa que não tenha controle, trata-se de um presidente do conselho, de uma pessoa que deveria dar o exemplo e fazer o melhor. Uma pessoa que estava no estádio e que o clube autorizou. Sou pai de dois filhos, tenho que dar esclarecimentos por conta dessa e de outras situações. Tenho um filho que me pergunta se já acabou esse problema do meu cabelo e das pessoas me xingarem. Como presidente do conselho ele deveria dar o exemplo”, disse o atleta, que ainda falou sobre os desdobramentos do caso em sua família e vida pessoal.
“Quando cheguei já me deparei com a situação. Meu filho de 14 anos já entende e a repercussão e o peso que causa isso. Me deparei com meu filho chorando e o de cinco anos tentando entender e perguntando se a gente deveria cortar o cabelo. Isso me causou um dano muito grande não só no profissional, mas no pessoal também. A nota do clube também foi absurda. Não fui para o Brusque pedir para passar por isso. Não sou dessa maneira e não quero ficar vinculado e ser motivo de chacota em todos os estádios que eu vá”, concluiu afirmando ter tomado as medidas criminais e cíveis cabíveis.
O que disseram as partes:
Pelo Brusque, o advogado Osvaldo Sestário pediu a reforma da decisão e justificou
“O julgamento não pode ser pautado pela nota oficial, não pode ser pautado por estarmos as vésperas da consciência negra. Temos que estar voltados 365 dias no ano para o combate a discriminação. Uma grande parte dos atletas, cerca de 70% do elenco é negra. Os três pontos foram conquistados dentro do campo de jogo e não haverá retrocesso algum se rever isso que foi decidido pela Quinta Comissão Disciplinar. A pena aplicada aqui deve considerar apenas os fatos narrados. Essa semana muito casos se sucederam e devem ser combatidos, porém não podemos fazer um julgamento e cometer uma injustiça. O parecer da Procuradoria constata o termo macaco e reforçado pelo atleta ficou definido e o que está em julgamento é somente o que foi narrado na súmula sobre o cabelo de cachopa”, disse o defensor, que continuou.
“Não podemos tratar essa questão como caso gravíssimo previsto no artigo 243-G. O artigo 243-G não pode vir desassociado do artigo 170 que qualifica as penas previstas. A multa aplicada ao clube não pode ser considerada no parágrafo 2º do artigo 243-G. Assim, em relação a multa e a perda dos três pontos, não pode prosperar a pretensão de se manter essa decisão por ser inaplicável. Essa pena já é uma das penas mais graves aplicadas nesse tribunal nos últimos cinco anos. Existe extrema gravidade nesse caso? Cachopa de abelha pode ser injúria e ofensa, mas um jogador branco como o Davi Luiz também pode ser chamado de Cabelo de Cachopa e não seria uma injúria racial. Os terceiros interessados estão aqui apenas pelos três pontos e não pela questão racial. Que seja dada a devida importância ao caso, mas não se cometa uma injustiça que pode definir o rebaixamento de um clube e de atletas que lutaram por isso. Que seja devolvido os pontos e retirada a multa do clube. Não a qualquer preconceito 365 dias, 24 horas, sempre”, concluiu.
O advogado Marcelo Franklin falou pelos atletas do Brusque.
“Estou aqui em defesa dos atletas do Brusque que conquistaram os pontos e lutaram em campo. O Brusque tem muitos atletas afrodescendentes e não consideram justo que o embate entre um torcedor na arquibancada e do atleta do Londrina gere a perda de pontos. A decisão foi desproporcional de outros casos julgados neste tribunal. A questão inerente a suposta injúria está sendo colocada de lado pelos terceiros interessados que vieram hoje atrás dos três pontos. O ponto principal deve ser se houve a injúria e a pena proporcional”, concluiu.
O Londrina foi representado pelo advogado Eduardo Vargas.
“Confesso a todos que me causou perplexidade esse recurso do Brusque. O Brusque deveria, em nome da consciência negra, admitir a punição e não recorrer exatamente em nome dos outros atletas negros do grupo. Até quando toleraremos isso no futebol brasileiro e na sociedade brasileira? Até quando seremos coniventes ao discurso do advogado? Até quando relativizaremos condutas criminosas que atentam contra a raça e cor? Até quando reproduziremos as falas que essas pessoas são oportunistas? “, indagou o advogado, que seguiu a defesa.
“Um pai de família foi ofendido de forma covarde em 28/08 na cidade do Brusque, em Santa Catarina. Dirigente, presidente do Conselho deliberativo e que tentou disfarçar ao dizer que não sabia. A questão racial é muito maior. Ao ser indagado ele se entregou e disse que falou por estar sendo ofendido. O atleta Celsinho está presente e foi ofendido por usar o cabelo black power. Somos um país negro sim. A condenação e a multa foram unânimes. Na sessão essa questão foi bastante extensa e toda a questão probatória foi pesada. Racismo não tem nível. É racismo e violência e ponto. Não há como mensurar o que o atleta sentiu. Pela manutenção da decisão”, disse o advogado, que encerrou lendo um trecho de uma música do Chico César.
Procurador da Justiça Desportiva, João Marcos defendeu o parecer e entendimento da Procuradoria.
“O que se discute aqui é um fato incontroverso e o que me chama a atenção foi que o Sr. Júlio só pediu desculpas a vítima no dia da sessão em primeira instância. O delegado da CBF disse que foi possível identificar e que foi isolado o denunciado para evitar que deixasse o campo da partida e preservar ele. Outro representante do Londrina confirmou o que foi dito. Estou sendo redundante e o denunciado confessou que falou cachopa de abelha. Perguntei ao denunciado e ele confirmou que há jogadores negros no Brusque e ele disse que não se refere aos seus atletas da mesma forma. Perguntei ao denunciado sobre o termo e ele respondeu que emprega o termo numa pelada. Um réu confesso e não há duvida no emprego da expressão”, disse.
Concluindo a sustentação da Procuradoria, o Procurador-geral Ronaldo Piacente pediu a condenação exemplar.
“Fatos graves e sabe-se que hoje na sociedade e no futebol não cabe mais aceitar qualquer racismo, injúria racial ou até homofobia. Precisamos dar um basta nisso e aqui estamos. Podemos ser um grão de areia e é importante darmos um passo no combate ao racismo. A Procuradoria opina pelo improvimento do recurso do Brusque. O que eu peço é que seja condenado e que, se entendam pela não aplicação dos pontos, que se aplique então a pena de perda de mando para que não saia ileso desses fatos”, encerrou.