Valor Investe

Quem nunca sonhou em dirigir o De Lorean que aciona a máquina do tempo criada pelo Dr. Emmet “Doc” Brown no filme “De Volta para o Futuro”? O que você faria se conseguisse viajar para outras eras? Com certeza, muita gente pensou que, se pudesse voltar ao passado, investiria em empresas como Google e Facebook quando ainda eram apenas negócios criados nos dormitórios das faculdades americanas. 

Na vida real, não podemos voltar no tempo. Mas não significa que não exista possibilidade de investir no próximo grande negócio de tecnologia. A inovação deu um jeito de qualquer um apostar em negócios com alto potencial de crescimento, inclusive no próximo unicórnio, como são conhecidas as iniciantes que atingem valor de mercado bilionário. Esse é o papel das plataformas de “equity crowdfunding” (vaquinha virtual para os íntimos), ou seja, o investimento coletivo em participações de startups. 

É parecido com uma oferta pública inicial de ações, o tal do IPO em inglês. Mas em escala de miniatura e sem perspectiva de poder vender as ações por um bom tempo. O investimento máximo de cada pessoa, por startup, é de R$ 10 mil. E as primeiras experiências indicam que a valorização média entre a primeira e a segunda rodada de captação chegou perto de 100% – o que não significa que quem comprou embolsou essa taxa de retorno, já que trata-se de investimento de longo prazo e sem liquidez (veja mais abaixo). 

Dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM, órgão regulador do mercado de capitais) mostram que o mercado total de “equity crowdfunding” cresceu 451% em dois anos. Em 2016, as plataformas captaram pouco mais de R$ 10 milhões. Em 2017, o montante alcançou R$ 18 milhões. No ano passado, a movimentação subiu para R$ 46 milhões, aponta a autarquia. Ainda segundo a CVM, entre 2016 e 2018, o número de plataformas saiu de quatro para 14. Já a quantidade de investidores saltou de 2.467 para 8.966 no período

Além de permitir que investidores de qualquer tamanho possam adquirir uma fatia de uma empresa iniciante, o financiamento pulverizado, ao mesmo tempo, preenche uma lacuna do mercado de capitais tradicional que oferece poucas opções para obtenção de recursos às startups na fase inicial.

Enquanto os anjos aportam entre R$ 50 mil e R$ 500 mil, o equity crowdfunding permite às startups obter até R$ 5 milhões por rodada. O nível de valores da série A, por sua vez, já ronda a dezena de milhões de reais. Segundo dados da Associação Latino-americana de Private Equity e Venture Capital (Lavca) a média por transação de venture capital no Brasil alcança R$ 16 milhões. 

Os valores das captações podem parecer elevados, mas aí é que entra a força do financiamento coletivo. As aplicações iniciais para o usuário dependem da estratégia de cada plataforma, mas no Brasil começam em R$ 500 — é só fazer a conta: se mil pessoas investirem o mínimo, a startup captaria R$ 500 mil. 

FirmBee / Pixabay

Hoje o mercado de “equity crowdfunding” no Brasil está muito concentrado em três plataformas. O investimento mínimo varia para cada uma. Na EqSeed, o montante inicial é o mais alto entre as três, de R$ 5 mil. A Kria estabeleceu valor a partir de R$ 1 mil. Na StartMeUp, começa em R$ 500.

O sistema permite que startups com faturamento até R$ 10 milhões por ano possam captar um máximo de R$ 5 milhões por rodada. Para realizar uma nova operação com mesmo limite é preciso esperar 120 dias. 

Qualquer pessoa pode aplicar por meio das plataformas. Mas há um limite anual de R$ 10 mil por CPF. Os investidores qualificados ou que tenham renda bruta anual ou investimentos financeiros superiores a R$ 100 mil ganham um “chorinho” a mais: nos dois casos, podem aportar até 10% adicionais calculados sobre o que for maior entre os rendimentos e as aplicações.

O investimento por meio das plataformas também traz outra vantagem além da força coletiva. É de interesse da categoria que as investidas tenham sucesso e que os modelos de negócios sejam sustentáveis, ou seja, consigam andar e se desenvolver com as próprias pernas. Por isso, EqSeed, Kria e StartMeUp fazem seleções criteriosas de quais empresas vão poder captar pelas plataformas. 

Tudo bem explicadinho

“Nós fazemos uma ’due dilligence’ [checagem da empresa] e avaliamos os modelos inovadores de negócios com maior potencial”, resume o sócio e CEO da EqSeed, Greg Kelly. Essa espécie de selo de qualidade é uma exigência da regulação que responsabiliza quem faz a intermediação no “equity crowdfunding” de obrigar os emissores a prestar as informações adequadas sobre o negócio e os riscos envolvidos. E os riscos são elevados, porque, na ponta extrema, a pessoa pode perder todo o valor investido, se a startup fechar as portas. 

De acordo com a norma da CVM, as plataformas devem “tomar todas as cautelas e agir com elevados padrões de diligência, respondendo pela falta de diligência ou omissão junto aos requisitos e limites exigidos do emissor, oferta e investidor”. 

A regulação também exige que os intermediadores “divulguem, com destaque, eventuais conflitos de interesse; suspendam a oferta, caso constatem qualquer fato ou irregularidade que venha a justificar a suspensão ou cancelamento; mantenham fórum eletrônico de discussão para cada oferta de acesso restrito aos investidores destinatários”.

O levantamento da plataforma leva em conta o aumento das avaliações de valor das empresas que já conseguiram fazer ao menos uma segunda rodada de captação de recursos. 

Casamento e não namoro

Mas isso não significa que o investidor já poderia embolsar o lucro. Kelly, da EqSeed, ressalta que o “valuation” (valor atribuído à empresa) obtido pelas startups nas segundas rodadas de captações é apenas uma referência da valorização e não um retorno em si. “É um investimento de longo prazo e não tem liquidez até a saída.” 

A chamada saída do investimento ocorre, em geral, quando um fundo de investimento ou uma companhia adquire uma participação relevante na startup. Nessas operações, é que, quem aportou recursos no início do negócio por meio do “equity crowdfunding”, poderia vender sua fatia e embolsar o lucro. 

Porém, a estimativa é de um prazo de cinco a sete anos até o negócio ganhar atratividade para o capital de risco. “Nesse intervalo, a startup, provavelmente, fará várias rodadas de captações por meio das plataformas, até ter tamanho compatível com o interesse do venture capital”, diz o sócio da EqSeed. 

Os empreendimentos que já receberam recursos por meio do “equity crowdfunding” no Brasil ainda estão no início de sua jornada de desenvolvimento. As startups começaram a captar pelo sistema a partir de 2016. A maioria, porém, estreou nas plataformas em 2018, após a regulamentação da CVM. 

Por isso, há poucas empresas que já fizeram uma segunda rodada de captação. De acordo com Kelly, na EqSeed, apenas seis startups já realizaram o chamado “follow on” – termo usado no mercado para indicar novas emissões após a oferta inicial. 

O período entre a primeira e a segunda rodadas varia conforme o modelo de negócios e a velocidade de crescimento. Na EqSeed, o menor intervalo para uma nova operação foi de quatro meses e o maior, de dois anos e meio.

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