Alessandro Vieira, senador

Dorivan Marinho / STF

Aos brasileiros, uma CPI do Judiciário

As altas cortes do Judiciário são o poder intocado da nossa República. Esforços de transparência e combate à corrupção têm avançado gradualmente no Executivo, no Legislativo, em empresas e nas primeiras instâncias da Justiça. É natural, portanto, estender esse empenho na transparência à esfera mais elevada do Judiciário. 

Foi com essa visão que colhemos assinaturas para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado voltada para as cortes superiores. 

A proposta não tem o objetivo de “intimidar” juízes. Essa CPI serve a um novo projeto de Brasil. Pretende romper a última fronteira do setor público que resiste à transparência, ao qual as investigações sobre desvios, como a corrupção, jamais chegaram. Essa CPI é fundamental à segurança jurídica, à previsibilidade e contra abusos eventuais no nosso sistema judicial. É a CPI da igualdade perante a lei, da validade da lei para todos — base de qualquer democracia consolidada.

Buscamos atender a uma forte demanda da sociedade. As reações, como se constatou, chegaram rápido e de forma antagônica. De um lado, acusaram a iniciativa de provocar “instabilidade” no início do governo. De outro, afirmaram que seria um ato de “revanchismo” da base governista contra o STF—insensatez, pois a proposta e o seu autor nada têm a ver com o governo. Acumularam-se ameaças veladas e interpretações alarmistas. Mais importante, porém, é que nenhum dos lados questionou a necessidade de uma apuração dos fatos determinados sobre desvios no Poder Judiciário.

É preciso ter clareza e encontrar, no ambiente de intensa polarização em que vivemos no país — e no Legislativo —, a indispensável posição de equilíbrio e independência.

Não se trata de atacar ministros ou de questionar prerrogativas constitucionais do Judiciário. Muito menos de criar fatos políticos pró ou contra o governo — e cabe esclarecer que sou filiado ao PPS e não integro a base parlamentar do presidente Bolsonaro, assim como não apoio casuísmos ou arbítrios. 

Trata-se, sim, de cumprir o meu dever de servidor da sociedade brasileira, que espelha uma vocação de vida, a de combater a desigualdade e a corrupção. E de cumprir a obrigação institucional de reforçar o sistema de pesos e contrapesos vital à democracia. Quem pode frear eventuais abusos do Judiciário se não o Congresso, eleito pelo povo?

Queremos transparência no Judiciário. A CPI vai investigar suspeitas de desvios operacionais como os excessivos pedidos de vista em processos que retardam ou inviabilizam decisões; desrespeito cotidiano aos colegiados; casos similares com diferença abissal no tempo de tramitação; obscurantismo no sistema de distribuição processual, entre outros. 

Aos que argumentam afirmando que isso seria inconstitucional, vale lembrar que o próprio STF e seus ministros já endossaram uma CPI do Judiciário, em 1999, cujos trabalhos deram importante contribuição para desbaratar um milionário esquema de corrupção em tribunais.

A CPI também pretende investigar possíveis desvios individuais, ação também reconhecida como legítima pelo STF. Nas casas guardiãs da legalidade sobram palestras remuneradas por empresas sob suspeição, empreendimentos societários e outras atividades econômicas em desvio à legislação. 

Há indícios de nepotismo, a exemplo da indicação de filhos de ministros para tribunais. Regras são manipuladas para que uma decisão liminar seja usada como poder de barganha, em prol do aumento de remuneração corporativa. 

Alguns alegaram que o pedido de CPI não apontava um fato determinado. É verdade. Não indicou uma, mas 12 dessas evidências de desmandos —e pode expor inúmeros outros. A sociedade exige mudanças e elas começam pela transparência nos atos dos três Poderes republicanos. Falta o Judiciário.

Link para o artigo na Folha