Evânio Moura - Doutor em Direito Penal

Quis custodiet ipsos custodes? Atribui-se ao poeta romano Juvenal esse célebre questionamento que pode ser traduzido como “quem vigia os vigilantes?” ou simplesmente “quem fiscaliza o fiscal?”.

A Constituição de 1988 estabelece em seu artigo 127 ser o Ministério Público uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 

Dentre as atribuições e competências extremamente relevantes, avista-se como missão do Parquet a defesa do regime democrático e consequentemente do processo eleitoral e das instituições previstas na Carta Magna que devem zelar pela realização de eleições periódicas e livres.

Nesse contexto avulta a importância da figura do procurador-geral da República que deve atuar como timoneiro na condução do Ministério Público, chefiando, inclusive, a atuação de todos os promotores ou procuradores eleitorais, devendo deixar evidente como devem se portar seus comandados. O PGR não pode titubear no cumprimento da lei e na defesa da Constituição.

Não pode se omitir na fiscalização, investigação e repressão a quem atenta contra o regime democrático ou permanentemente ataca as eleições livres, busca descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro, levantando suspeitas acerca da confiabilidade da urna eletrônica e da metodologia de totalização de votos que sempre foi utilizada pela Justiça Eleitoral, sem qualquer intercorrência ou problema grave. 

Deve atuar o procurador-geral da República como genuíno fiscal da lei (custus legis) não transigindo um milímetro na defesa do regime democrático. Nesse contexto, deve-se registrar o comportamento errático e omisso do atual procurador-geral da República. Mesmo presenciando (em situações públicas ou publicizadas) inúmeros ataques a justiça eleitoral, aos integrantes do Tribunal Superior Eleitoral e a urna eletrônica, proferidos pelo presidente da República e seus apoiadores mais ferrenhos, inclusive em recente reunião com a presença de mais de 50 embaixadores, queda-se completamente silente. Comporta-se como se nada estivesse acontecendo. 

Causa estranheza o fato de que o mesmo procurador-geral da República, fiscal da lei por excelência, que demostra redobrado interesse em processar seus críticos, a exemplo do professor Conrado Hubner Mendes que exerceu legitimamente sua liberdade de expressão apontando equívocos do PGR ou aparenta valentia exacerbada para confrontar seus pares em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, partindo para vias de fato, demonstra apatia, fastio ou total desinteresse em proteger as instituições e a democracia, deixando de defender a Justiça Eleitoral das investidas que vem sofrendo. 

Merece registro que essa indiferença do procurador-geral da República está sendo questionada pelos próprios integrantes do Ministério Público Federal que se sentem incomodados com tamanha omissão, sendo requestadas providências para combater os ataques sistemáticos à urna eletrônica e a confiabilidade do resultado das eleições.

Cabe ao comandante-em-chefe do Ministério Público o desempenho de sua missão constitucional de forma desassombrada, firme, expedita e intimorata, sem qualquer preocupação em agradar ou desagradar o atual ocupante do planalto. Não existe subordinação entre o PGR e o presidente da República. Mesmo sendo evidente essa conclusão, vivemos uma quadra em que é preciso gritar o óbvio a plenos pulmões. 

Eis questão relevante: até quando as eleições, as urnas eletrônicas, o TSE e o sistema eleitoral brasileiro serão atacados sem provas e mesmo diante de veementes indícios da prática de crimes de responsabilidade tipificados na Lei nº 1.079/50 o procurador-geral da República simplesmente vai ignorar tais fatos? 

Referido questionamento desdobra-se em um outro: é possível que o procurador-geral da República faça ouvidos de mercador para o que está acontecendo?

A resposta é não, extraindo-se da própria Constituição o remédio, embora amargo, consistindo na possibilidade de apresentação de pedido de impeachment do procurador-geral da República (artigo 52, II, CF).

Em uma democracia deve predominar o respeito à cidadania e a soberania popular, sendo possível responder ao poeta Juvenal afirmando que “quem fiscaliza o fiscal” é o povo, senhor absoluto dos destinos do estado democrático de direito, emanando dele todo poder. 

Urge que nossa população tenha essa consciência de que em uma República não pode existir um fiscal que não possa ser também fiscalizado e que ninguém, nem mesmo o procurador-geral da República, está acima da lei e possuí o poder do baraço e do cutelo.

Passou da hora de que essa mensagem, simples e direta, possa chegar ao atual procurador-geral da República e a todos os representantes do parlamento brasileiro, apontando para a possibilidade de responsabilização do PGE pelo imobilismo e inação em um momento crucial em que a toda a sociedade espera ações e providências concretadas do Ministério Público na defesa e preservação do regime democrático.