STJD

A tentativa de manipulação de resultado no Campeonato Brasileiro Feminino entrou em pauta de julgamento no Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol. Nesta sexta, dia 29 de julho, Fabrício de Paula, ex-preparador de goleiras do Santos, Anastácio Rio, roupeiro do Bragantino e Laudice de Oliveira Ramos (Alemanha), massagista do Bragantino serão julgados pela Sexta Comissão Disciplinar a partir das 10h. A sessão terá transmissão ao vivo no site do STJD.

Jogadoras do Santos na partida contra o Red Bull Bragantino — Santos FC/Divulgação

O caso veio à tona após o presidente do Santos, Andrés Rueda, anunciar em entrevista coletiva que um funcionário do clube tentou subornar uma jogadora do Bragantino em uma partida entre os dois clubes pelo Campeonato Brasileiro Feminino. Após a divulgação o Bragantino divulgou uma nota oficial confirmando a tentativa de suborno, enquanto a CBF pediu ao STJD a abertura de inquérito para investigar a denúncia.

O inquérito foi conduzido pelo auditor Felipe Bevilacqua, integrante do Pleno do STJD, que ouviu as partes envolvidas e após analisar as demais provas juntadas no inquérito instaurado, concluiu-se pela tentativa de manipulação com a seguinte cronologia:

No dia 18 de junho de 2022, um dia antes da partida, os denunciados Fabrício de Paula, Anastácio Rios e Laudice de Oliveira Ramos, o Alemanha, abordaram a goleira Karolainy Caline Alves, do Bragantino, quando estava indo se alimentar com sua equipe, no hotel em que se encontrava hospedada.

Iniciando um diálogo, Fabrício elogiou o desempenho da jogadora e afirmou que a atleta estava no radar e que a levaria para o clube em que ele estivesse atuando. Depois de inúmeros elogios, Fabrício fez uma proposta e pediu sigilo absoluto sobre o fato. Preparador de goleiras do Santos ofereceu então R$ 5 mil para que Karolainy sofresse cinco gols na partida contra o Santos. O objetivo era lucro em um esquema envolvendo apostas esportivas.

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Para a goleira, Fabrício afirmou já ter feito tal esquema em outras partidas e que a equipe de arbitragem já estaria ciente do esquema. O integrante da Comissão técnica do Santos Feminino detalhou ainda algumas formas que a goleira poderia usar para disfarçar, explicando maneiras em que poderia sofrer gols em situações de escanteios e jogadas um contra um.

Diante das negativas da atleta, Fabrício dobrou o valor da oferta para R$ 10 mil e afirmou que Anastácio e Alemanha receberiam, cada um, R$ 5 mil. A goleira então negou a oferta e saiu.

Karolainy informou o ocorrido ao coordenador de futebol do Santos, Gabriel Mastrodomenico e combinaram que a goleira iria para o aquecimento normal para a partida, mas não entraria em campo.

Na manhã da partida, a goleira recebeu mensagem de Fabrício que informou que dobraria o valor da remuneração, caso a atleta aceitasse.  Karolainy informou ainda que, momentos antes da entrada em campo, Alemanha a abraçou e disse que sabia que ela não iria mais para o jogo.

Com relação a equipe de arbitragem, o inquérito não constatou nenhuma irregularidade ou falha técnica relevante no decorrer da partida.

Em denúncia a Procuradoria citou que a conduta conhecida como match fixing não é nova e que a conduta representa uma ameaça maior que o doping.

“Já há mais de uma década, o então presidente do Comitê Olímpico Internacional, Jacques Rogge, alertava para o “câncer” que tal ação representaria, equiparando-a, inclusive, ao doping. Alguns autores vão ainda mais longe, afirmando que o match fixing e as apostas ilegais de uma forma geral representariam ameaças maiores que a dopagem para o esporte, na medida em que este afetaria apenas um atleta, enquanto aquelas afetariam a competição como um todo”.

Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol

Para a Procuradoria Fabrício de Paula, Anastácio Rios e Alemanha se amoldam a infração descrita no artigo 242 do CBJD, tendo Fabrício cometido tripla infração ao artigo:

Art. 242. Dar ou prometer vantagem indevida a membro de entidade desportiva, dirigente, técnico, atleta ou qualquer pessoa natural mencionada no art. 1º, § 1º, VI, para que, de qualquer modo, influencie o resultado de partida, prova ou equivalente.
PENA: multa, de R$ 100 a R$ 100 mil e eliminação.
Parágrafo único. Na mesma pena incorrerá o intermediário.

Por serem integrantes do Santos, mesmo clube da goleira que tentaram manipular, Anastácio Rios e Alemanha teriam ainda infringido o artigo 243 do CBJD:

Art. 243. Atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende.
PENA: multa, de R$ 100 a R$ 100 mil , e suspensão de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias.
1º Se a infração for cometida mediante pagamento ou promessa de qualquer vantagem, a pena será de suspensão de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias e eliminação no caso de reincidência, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
2º O autor da promessa ou da vantagem será punido com pena de eliminação, além de multa, de R$ 100 a R$ 100 mil.

A Procuradoria ressaltou que o CBJD prevê a pena de eliminação para as equipes beneficiárias da manipulação desportiva, porém não entende pela punição de santos e Bragantino uma vez que a promessa de recompensa partiu de particulares, não foram feitas por dirigentes, cartolas ou jogadores envolvidos e que poderiam influenciar diretamente na partida ou em sua organização. A Procuradoria afirmou ainda que o resultado não visava obter uma vantagem desportiva para qualquer dos clubes envolvidos e que o objetivo da proposta era apenas que a partida tivesse cinco gols no total, não importando para qual lado, além de reforçar que os clubes auxiliaram ativamente na apuração dos fatos.

O proveito aqui tinha caráter estritamente pessoal, envolvendo os possíveis ganhos que os denunciados poderiam auferir por meio de apostas desportivas. Por último, e talvez mais importante, as próprias equipes envolvidas atuaram ativamente na apuração dos fatos e na punição dos envolvidos – todos eles, segundo consta nos autos, já foram desligados dos quadros de funcionários dos respectivos clubes.

Resta claro, portanto, que a punição é somente cabível aos denunciados já listados por essa peça acusatória, e não às agremiações esportivas envolvidas.

Por fim, ressalta-se a necessidade de punição exemplar aos envolvidos em tão lamentável episódio, para que não apenas se coíba a reincidência dos denunciados, mas que também sirva de exemplo a todos aqueles que sequer cogitem praticar uma conduta desse grau de reprovabilidade.

O esporte, repita-se, é competição. A manutenção de sua integridade constitui figura essencial em todos os aspectos. A manipulação de resultados ataca a própria essência dos princípios da lealdade, integridade e espírito esportivo, ideários fundamentais de qualquer competição. A resposta a tão severos ataques deve ser feita de forma contundente”, escreveu a Procuradoria na denúncia.